Análise do Decreto-Lei n.º 76/2024, de 23 de outubro
O Decreto-Lei n.º 76/2024, publicado a 23 de outubro, introduz profundas alterações no regime jurídico aplicável à exploração de estabelecimentos de alojamento local, revendo e complementando o Decreto-Lei n.º 128/2014, de 29 de agosto.
As alterações refletem a crescente preocupação com o impacto da proliferação do alojamento local, particularmente em zonas urbanas de elevada densidade turística, e procuram equilibrar as necessidades de habitação permanente com a promoção do turismo sustentável. Neste contexto, as mudanças visam conferir maior controlo aos municípios, reforçar a proteção dos condóminos e residentes e intensificar a fiscalização da atividade.
1. Atribuição de Poderes aos Municípios
Uma das alterações mais significativas trazidas pelo novo diploma é a ampliação dos poderes conferidos aos municípios, os quais – em especial aqueles com mais de 1000 estabelecimentos de alojamento local registados – passam a poder regular localmente exercício desta atividade.
Através de regulamentos poderão ser impostas medidas adequadas à realidade local que visem o equilíbrio entre a atividade turística e as necessidades habitacionais.
Poderá ainda ser criada a figura do “provedor do alojamento local” com competência para mediar conflitos entre os operadores de alojamento local, os condóminos e os residentes, gerir queixas e promover boas práticas no exercício da atividade.
2. Áreas de Contenção e Crescimento Sustentável
É introduzido o conceito de “áreas de contenção”, permitindo que os municípios delimitem zonas proibidas ou com restrições à instalação de novos estabelecimentos de alojamento local. Esta medida é particularmente relevante em locais onde a elevada concentração de estabelecimentos já afeta o equilíbrio habitacional.
Por outro lado, são criadas as “áreas de crescimento sustentável” nas quais os municípios poderão estabelecer requisitos adicionais, como a necessidade de eficiência energética nos edifícios ou a preservação de uma percentagem mínima de imóveis destinados à habitação permanente. Esta iniciativa reforça a necessidade de compatibilizar a atividade turística com a sustentabilidade ambiental e social das comunidades.
3. Regras Mais Rigorosas para a Propriedade Horizontal
Outro eixo de intervenção do novo diploma é o reforço da proteção dos direitos dos condóminos em edifícios de propriedade horizontal. A instalação de hostels em edifícios onde coexistam habitações passa a depender de autorização expressa dos condóminos, representando um aumento significativo da autonomia dos condóminos na gestão dos edifícios onde residem.
Adicionalmente, os condóminos podem opor-se à continuidade da atividade de alojamento local em frações autónomas quando haja perturbação reiterada do sossego e da convivência no edifício, mediante a deliberação por maioria qualificada de dois terços da permilagem.
Importa ainda destacar que o novo diploma esclarece que a instalação de alojamento local numa fração autónoma não constitui, por si só, um uso diverso do fim a que a fração é destinada, desde que se mantenha em consonância com os usos urbanísticos predominantes na zona territorial em questão.
Assim, ainda que os condóminos possam exercer o seu direito de oposição, esta atividade continua a ser considerada legítima no âmbito da propriedade horizontal, salvo disposição em contrário no título constitutivo ou regulamento de condomínio.
4. Fiscalização e Cancelamento de Registo
A ASAE e as câmaras municipais passam a ter um papel mais ativo na fiscalização dos estabelecimentos de alojamento local, garantindo o cumprimento das normas aplicáveis e a observância das restrições impostas pelos regulamentos municipais. Caso seja detetada uma violação das disposições legais ou regulamentares, os municípios podem proceder ao cancelamento do registo do estabelecimento, reforçando, assim, o controlo sobre a legalidade da atividade.
Uma novidade introduzida pelo novo regime é a obrigatoriedade de os estabelecimentos de alojamento local possuírem um seguro de responsabilidade civil. A ausência de seguro adequado pode, inclusivamente, conduzir ao cancelamento imediato do registo do estabelecimento, o que demonstra a intenção do legislador em assegurar que os operadores do setor assumem as suas responsabilidades perante terceiros.
5. Medidas de Transição
O diploma prevê um período de transição para os municípios com mais de 1000 estabelecimentos de alojamento local registados. Estes terão um prazo de 12 meses, a contar da entrada em vigor do decreto, para deliberarem se irão exercer o poder regulamentar que lhes é conferido.
Ao conferir mais poderes aos municípios, reforçar a fiscalização e aumentar a proteção dos condóminos, o diploma procura assegurar que o crescimento do alojamento local seja feito de forma sustentável e em harmonia com as comunidades locais. Essas alterações mostram uma visão de longo prazo para o setor, colocando o equilíbrio social e habitacional no centro da política de ordenamento urbano.

Cristiana Toscano
Departamento de Direito do Imobiliário e do Arrendamento
cristiana.toscano@amartins.pt