“O Amor é isso
não Prende
não aperta
não sufoca
porque quando vira nó
já deixou de ser laço “
Mário Quintana
Alienação parental, mito ou realidade? Nos passados dias 23 e 24 de janeiro, na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, realizou-se o II Congresso Luso brasileiro de Alienação Parental – Novos Horizontes.
Num auditório cheio de profissionais das várias áreas e com vários oradores, discutiu-se que caminhos percorrer perante um problema que já há muito ultrapassou o mito: a alienação parental.
Neste domínio, muito temos a aprender com o Brasil, visto que neste País desde 2010 que existe legislação específica acerca desta temática – a Lei 12.318/2010.
Não obstante a nossa legislação, no âmbito do direito dos menores, ter sido profundamente alterada em finais de 2015, o facto é que, e não obstante todas as inovações, o legislador optou por não fazer qualquer referência à alienação parental? Coincidência, esquecimento?
Já há muito que se fala em alienação parental, pelo que a não inclusão da mesma na nova legislação não terá sido inocente…
Mas a verdade é que, mesmo sem conceito definido, mesmo sem previsão legal, é evidente a existência de comportamentos alienantes! Comportamentos estes que não têm géneros, idades, classe social, mas têm algo em comum: o conflito.
Um conflito que a todos dilacera e que para todos é tóxico, e onde as crianças estão inseridas. As nossas crianças, aquelas que serão o nosso futuro e que crescem órfãs de pais ou mães vivos.
Como se sentem as crianças quando ouvem dizer, a maior parte das vezes da boca de um dos seus pais, que o outro não presta, não ajuda no seu sustento e até o tratou mal em alguma altura da vida?
Se os pais fizessem este raciocínio, se não estivessem tão empenhados no conflito e em digladiarem-se, se olhassem para os filhos, se os ouvissem tudo seria muito diferente.
É da falta de diálogo saudável, é do ódio de quem sai de um relacionamento conjugal falhado que uma criança pode ser vítima de comportamentos alienantes.
É nessa altura, ou até antes, que o Estado é chamado a intervir, que o Tribunal tem de atuar, de forma célere e de forma a proteger mais esta vítima.
Já há quem defenda que a criança vítima de comportamentos alienantes é vítima de violência doméstica, e portanto também em sede de direito penal tem os seus direitos salvaguardados.
Quando a justiça entra na vida da criança ela deve ser sua amiga, acessível, compreensível, adequada à sua idade e, acima de tudo, expedita. A justiça não pode/deve trazer mais sofrimento à criança, e muito menos trazer-lhe uma segunda vitimização.
Os princípios estão na lei, nacional e internacional, mas da teoria à prática, há um grande caminho a percorrer, e isso mesmo ficou claro no congresso com a intervenção de alguns profissionais que todos os dias vivenciam situações que de amigas das crianças têm muito pouco.
Desde crianças ouvidas em salas de julgamento, e sentadas no lugar dos Réus, com o magistrado vestido a rigor, conferências de pais feitas em pé, crianças ouvidas na presença dos advogados dos pais! Com um ano de vigência da nova lei de tudo de vê de norte a sul do país.
Mas o que mais chocou o auditório foi sem dúvida uma situação em que um menor teve de assinar um acordo de regulação das responsabilidades parentais, e os pais uma declaração em como o haviam explicado ao filho!
Estamos assim muito longe de ter uma justiça amiga das crianças, e muito dependentes das práticas dos nossos Juízes e das suas próprias convicções. Muda-se a lei, mas não se mudam vontades, nem mentalidades com a mesma rapidez.
Resta-nos esperar e batalhar, dia após dia, cada um dos intervenientes judiciais, desde o magistrado, ao advogado, ao funcionário, para que, uma vez chegada ao tribunal, a família não se dilacere ainda mais, as partes consigam deixar para trás os seus ódios e desilusões, e que os filhos saiam sempre daquele edifício, tantas vezes frio e distante, com um pai e uma mãe, e com direito a conviver o mais amplamente com ambos e com as respetivas famílias.
A criança precisa de ambos os pais, precisa de avós, tios, primos, todos aqueles que lhe vão transmitindo a sua identidade, a sua herança cultural.
Só assim a criança pode crescer feliz, estável, equilibrada, completa.
Se nós pais não suportamos a ideia de perder o nosso pai ou mãe, porque achamos que os nossos filhos vivem muito bem só connosco? Que o outro não faz falta?
É urgente educar os pais, alertar para os malefícios e graves consequências, inclusive físicas da alienação parental, muito antes de chegarem ao tribunal, muito antes de fazerem acordos de regulação do exercício das responsabilidades parentais, pois quando a justiça intervém, muitas vezes já é tarde, já intervém no seio de um conflito aberto, já só pode remediar… já o pai ou mãe saíram de casa, já muitos estão impedidos de ver ou conviver com os filhos, já as crianças estão a sujeitas a comentários negativos daquele que saiu.
A alienação parental não é um mito, é uma realidade, seja com que nome for, esteja ou não legalmente prevista, está à nossa volta, muitas vezes muito perto de quem nos rodeia.
Neste ramo de direito tão complexo, em que se trabalha com emoções, sentimentos, a interdisciplinaridade e formação constantes são uma necessidade absoluta. Porque o julgador ou mesmo o advogado necessita de se rodear de profissionais de outras áreas, porque todos devem falar entre si, trocar experiencias, perceber pontos de vista e dificuldades no terreno.
Só assim podemos avançar, com partilha, só assim podemos fazer com que se alterem as mentalidades, o paradigma. Foi tudo isso que se alcançou com este congresso, com a troca de experiências entre sistemas tão diferentes, saímos todos com muitas dúvidas, muitas angústias com algumas coisas que ouvimos, mas saímos também com a certeza e esperança que podemos e devemos fazer mais e melhor, e que mudar está nas nossas mãos.
Alexandra Almeida
advogada de Alcides Martins, Bandeira, Simões & Associados,
Sociedade de Advogados, RL