O Sistema de Mediação Laboral
Tradicionalmente e nos tempos que correm por esse mundo fora, a conciliação constituí um dos esteios do direito do trabalho. Visa-se com tal instituto, muito natural e inteligentemente, preservar a situação jus-laboral e até fortifica-la, e isto, quer nas relações entre o trabalhador e a empresa, quer também nas relações coletivas, com a intervenção dos sindicatos.
Em Portugal, por razões históricas e devido a motivações politico-legislativas dominantes, a prática da conciliação tem andado bastante arredada. Contudo a crise empregatícia, que vem dominando este nosso século, fez reviver a figura, pois a cessação do contrato deixou de ser a melhor solução na generalidade dos casos.
A par da conciliação, a mediação é outro dos meios alternativos aos tribunais para superar conflitos de interesses. Como se sabe, a mediação bem se distingue da conciliação, porquanto nesta são as partes que tentam a solução para a sua divergência diretamente ou com o apoio de um terceiro (conciliador), o qual procura apenas que as partes se entendam e que, assim, continuam a discutir frente a frente apenas por ele assistidas. Diferentemente, na mediação, o mediador estuda a situação e concebe propostas que vai apresentando a cada uma das partes desavindas, tendo, assim, um papel mais interventivo.
Através da Lei n.º 29/2013, de 19 de abril foram estabelecidos “os princípios gerais aplicáveis à mediação realizada em Portugal, bem como os regimes jurídicos da mediação civil e comercial, dos mediadores e da mediação pública”. Dela se deve concluir que as normas sobre os princípios e estatuto do mediador de conflito e bem assim as disposições gerais, complementares e finais, se aplicarão à mediação em geral, incluindo a laboral. De resto, no art.º 46.º, manda-se aplicar, expressamente, o disposto na referida Lei “aos conflitos coletivos de trabalho apenas na medida em que não seja incompatível com o disposto nos artigos 526.º a 528.º do Código do Trabalho”.
Cingindo-nos, agora, às relações de trabalho subordinado, perante o direito substantivo, nomeadamente no que concerne ao sistema de cessação do contrato de trabalho e à jurisdicionalização dos acidentes de trabalho, verifica-se que o número de processos nos tribunais de trabalho continua a ser volumoso, gerando as delongas habituais em quase todos eles, que, por vezes, se configuram como verdadeira denegação da justiça.
Procurando diminuir a litigiosidade nos tribunais de trabalho, na esteira de uma diretiva governamental, foi ressuscitado, mas em moldes bem diferentes, o aludido instituto de tentativa prévia de conciliação laboral, denominando-se, agora, de Sistema de Mediação Laboral . Não se trata de um sistema de conciliação dirigida por representantes das associações sindicais e de empregadores, como acontecia nas antigas comissões corporativas e, depois, de conciliação e julgamento, mas, outrossim, de mediação, realizada por pessoas credenciadas e, naturalmente, com um estatuto de independência, constantes de listas de mediadores, organizadas sob a égide da DGPJ, apos frequência de cursos de formação certificada e de seleção.
Anote-se, com bem relevante que o acordo que aí seja alcançado tem força executiva nos termos dos art.s 703.º, n.º 1 b) e 707.º do C.P.C. e 88.º do C.P.T..
Será de interesse salientar que, através da introdução do art.º 27.º-A no C.P.T., passou a aplicar-se ao processo de trabalho, com as necessárias adaptações, o sistema relativo a mediação prevista no C.P.C., que se contempla no art.º 273.º, e onde se regula a possibilidade de remessa do processo pelo juiz, em qualquer estado, para mediação; homologação do acordo obtido e a suspensão da instância.
Desde que não se trate de direitos indisponíveis, parecia que, na atualidade, os julgados de paz também poderiam disponibilizar um serviço de mediação “a qualquer interessado” e como “forma alternativa de resolução de quaisquer litígios”. Todavia, nos termos do art.º 151.º da nova L.O.S.J. (e do art.º 9.º da Lei n.º 78/2001), os julgados de paz não podem intervir em causas que “envolvam matéria de direito da família, direito das sucessões e direito do trabalho”. Assim, não podendo julgar, também não poderão mediar.
Na R.A. da Madeira encontra-se criado o Serviço Regional de Resolução Voluntária de Conflitos do Trabalho e na R.A. dos Açores funciona o Serviço Regional de Conciliação e Arbitragem do Trabalho (SERCAT).
A arbitragem laboral e o seu âmbito
A arbitragem é um dos meios de resolução alternativa de litígios que passou a integrar o nosso sistema de justiça. Para além das disposições do C.P.C., vigora a lei da arbitragem voluntária. Esta é a Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro, que na esteira do previsto no art.º 150.º da L.O.S.J. aprova a “lei da arbitragem voluntaria”. Nela se dispõe, no n.º 4, do art.º 4.º, que a submissão a arbitragem de litígios emergentes de ou relativos a contratos de trabalho é regulada por lei especial, sendo aplicável, até à entrada em vigor desta o novo regime aprovado pela presente lei, e, com as devidas adaptações, o n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março. Prevê-se, pois, a formulação de uma nova lei sobre a arbitragem para resolução de conflitos emergentes do contrato de trabalho.
Mas, por enquanto, continua em vigor o disposto naquele n.º 1, que, sob a epígrafe “convenção de arbitragem”, estabelece que desde que por lei especial não esteja submetido exclusivamente a tribunal judicial ou a arbitragem necessária, qualquer litígio que não respeite a direitos indisponíveis pode ser cometido pelas partes, mediante convenção de arbitragem, à decisão de árbitros. Acontece que, nos tempos que correm, a maior parte dos litígios no âmbito do contrato de trabalho, pelo menos no setor privado, cingem-se à cessação do contrato de trabalho. Ora, neste âmbito e no que se refere a regularidade e licitude do despedimento, nos termos e conforme a epígrafe do art.º 387.º do C.T., esta matéria… “só pode ser apreciada por tribunal judicial”.
Ao nível das relações (individuais) de trabalho o mesmo pode acontecer, mas não pode deixar de ser ponderada a sua validade face às regras de competência internacional dos tribunais de trabalho e sobre os pactos privativos de jurisdição (arts. 10.º e 11.º do CPT) e de competência interna (art.s 13º a 18.º e 19.º) nos quais se comina a nulidade dos pactos de desaforamento. Como salienta o Prof. Romano Martinez “os arts. 387.º e 388.º do CT2009 só vedam o recurso a arbitragem no que respeita a determinação da regularidade e da licitude do despedimento (individual e coletivo), não obstando, por isso, a que outras questões laborais sejam dirimidas por via arbitral”, acrescentando “desde que preencham o requisito da disponibilidade do direito” e mais adiante ainda que “cabe atender a irrenunciabilidade de certos direitos”. Como direitos indisponíveis do trabalhador, pela sua natureza, dá como exemplo os direitos de personalidade.
É pelo mesmo diapasão, que segue a jurisprudência, ao julgar que um trabalhador que aceitou ser beneficiário de um fundo de pensões também aceitou uma convenção de arbitragem prevista nos respetivos estatutos. O mesmo já se passou em litígio emergente da resolução de um contrato de trabalho desportivo subordinada a convenção de arbitragem voluntária. Atualmente, podem ser submetidos ao Tribunal Arbitral do Desporto “quaisquer litígios emergentes de contratos de trabalho desportivo celebrados entre atletas ou técnicos e agentes ou organismos desportivos, podendo ser apreciada a regularidade e licitude do despedimento”, embora tenha de haver prévia convenção de arbitragem.
À guisa de conclusão, a mediação e a arbitragem laborais ainda se encontram bastante cerceadas, social e legalmente, mas a tendência é, sem dúvida, para o alargamento do seu âmbito e da sua utilização, face ao custos e à morosidade dos tribunais clássicos.
Alcides Martins
Publicado em Vida Judiciária, março/abril 2016