Realizou-se no dia 25 de novembro, no auditório da Torre do Tombo, uma conferência, subordinada ao tema: “O novo regime jurídico do processo tutelar cível que caminhos?”, promovida pelo conselho distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados e pela Associação para a igualdade parental e direitos dos filhos.
Com um painel diversificado, com Advogados, Juízes, Procuradores e Psicólogos Clínicos, durante todo o dia se debateu o novo regime jurídico em matéria tutelar cível, tendo sido expressa unanimemente a ideia de que este novo regime jurídico representa um avanço significativo, face ao anterior, previsto na Organização Tutelar de Menores, abreviadamente designada por OTM.
Princípios como o da oralidade, consensualização e audição da criança foram amplamente divulgados, como basilares do novo regime jurídico, que se quer mais célere, eficaz e protetor das crianças.

Mas será que esta nova legislação será suficiente para mudar mentalidades? Será que existem meios para a colocar em prática, nomeadamente no que respeita à assessoria técnica especializada, ou seja à constituição de uma equipa interdisciplinar que acompanha e assessoria os Juízes, supostamente de forma oral e sem necessidade de elaboração de relatórios sociais?
Todos foram unânimes no sentido de que existem os meios suficientes para implementar o sistema legal.

Aliás, Procuradores e Juízes afirmaram usar há muito a assessoria técnica exterior, como forma de os auxiliar na tomada de decisões, não constituindo para estes, o novo regime jurídico nada de muito diferente daquilo a que já estavam habituados.

Mas infelizmente, e como todos os operadores judiciários sabem, estes são uma minoria, uma exceção, pois em regra os nossos magistrados, mesmo tendo suporte legal para solicitar uma intervenção externa, não o faziam.
Concluiu-se, portanto, que muitos dos princípios agora expressos nesta nova lei, já existiam, já estavam previstos na OTM, mas pura e simplesmente não eram usados.

Já a OTM previa decisões provisórias quanto ao exercício das responsabilidades parentais, mas raramente os Juízes as aplicavam, deixando consolidar-se na prática regimes que, no final, do processo se tornavam definitivos, por representarem a rotina da criança, aquilo a que estava habituada.
Já na OTM se previa a audição da criança, e ainda assim muitos juízes recusaram fazê-lo, tomando decisões sem ouvir os principais interessados.
Na OTM já se previa o recurso à assessoria técnica exterior, mas os Juízes limitavam-se a pedir relatórios sociais, os quais demoravam, em média, 1 ano a chegar ao processo.

Se tantas destas figuras estavam já previstas, então qual a verdadeira inovação do novo regime jurídico? A resposta é simples: a ideia de consensualização e da oralidade.
Pretende criar-se um processo que vise o consenso e não agudize o conflito, um processo que ajude as partes e as consciencialize, protegendo as crianças. Pretende criar-se um processo que seja célebre, pois o tempo da criança não é o tempo do processo, que seja, ao mesmo tempo, eficaz, que seja interiorizado por todos os intervenientes, evitando assim a sua reabertura sob a forma de incumprimentos ou alterações dos acordos de regulação das responsabilidades parentais.

Esta sim é a grande inovação do novo regime jurídico: as partes têm de se consensualizar, e como tal, não obtendo acordo na conferência de pais, devem ser remetidas para a mediação familiar ou para equipas de assessoria técnica especializada que as ajude a resolver o conflito e a encontrar soluções e compromissos.
E qual o papel do Juiz neste novo processo? Deve tentar ele próprio o consenso na primeira conferência, deve encetar algumas diligências, deve decidir provisoriamente? Ultimamente já eram raros os magistrados que não utilizavam a conferência de pais para tentar que se alcançasse um acordo.
Mas ainda assim, são inúmeros os relatos de conferências, com a duração de 5 minutos em que recolhendo-se dos pais a confirmação de que não havia acordo, eram logo as partes notificadas para alegar, sem ser feito o mínimo esforço de consensualização.

É óbvio que a forma como as conferências são marcadas, 3 e 4 por cada período da manhã ou tarde, não deixa tempo ao magistrado para grandes acordos e grandes conversas, e muitas vezes as partes são levadas a aceitar acordos que nunca quiseram verdadeiramente, que não entenderam, e consegue-se um acordo, mas não se resolveu o conflito, não se ouviram as pessoas.

Será esse o papel do Juiz? Não. Esse papel compete aos assessores do Juiz, esses sim, têm de criar com as partes, individual ou conjuntamente, formas de trabalho que as ajude a resolver o conflito que ainda persiste, deixando as partes abertas ao diálogo e menos interessadas em litigar, como forma de manter uma relação que acabou, e que tem de obrigatoriamente ser enterrada. O casal morreu, e tem de ser enterrado, a relação parental perdura durante toda a vida, e quanto mais depressa os pais chegarem a essa conclusão, mais depressa serão melhores pais, pois renegarão o conflito em prole do interesse dos seus filhos.

Um dos magistrados que participou na conferência, fazendo uso da sua experiencia profissional, bem como do estudo que entendeu fazer sobre outras áreas essenciais como a psicologia, fala mesmo numa terapia cognitiva. Entende este magistrado que é seu papel numa primeira conferência avaliar o grau de conflito entre as partes, e consciencializar os pais para as consequências físicas e psíquicas que o seu conflito gera nas crianças, e no seu desenvolvimento, nomeadamente ao nível da inteligência emocional.
Explicando aos pais, ensinando-lhes que o stress tóxico a que sujeitam os filhos com o seu conflito, lhes traz graves consequências ao nível do desenvolvimento neurológico, consequências essas cientificamente comprovadas, pretende-se que estes reflitam e percebam o quanto maltratam os filhos, motivando assim uma alteração de comportamento.
Sabendo um progenitor que uma criança sujeita ao conflito tem muito maiores hipóteses de sofrer de patologias como cancro, diabetes, doenças pulmonares, entre outras, pensará por certo mais vezes antes de trazer a criança para o conflito.

As nossas crianças estão cansadas. Aliás, isso mesmo transmitem aos procuradores e magistrados que os ouvem. Porque são elas o centro do processo, as principais interessadas e aquelas que se torna necessário proteger, o legislador lançou mão deste novo regime jurídico.
Se será suficiente para as proteger, não se sabe, só o tempo e a prática o dirão, mas uma coisa é certa: cabe-nos a todos os intervenientes judiciários, Magistrados, Procuradores, Advogados, o papel de aplicar e fazer aplicar as normas agora expressas neste regime.
Uma mudança de mentalidade requer-se, e para tal, torna-se necessário que haja mais conferências sobre o tema, maior discussão alargada ao público em geral, porque esta é uma discussão que interessa aos profissionais, sem dúvida, mas que é preciso trazer para a praça publica, porque só assim se sensibilizam os pais, só assim se alteram paradigmas e predispõe as partes para o consenso e não para o conflito.

Alexandra Almeida
Alcides Martins, Bandeira, Simões & Associaods,
Sociedade de Advogados, RL