Com a Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, (vulgarmente conhecida como Lei do Novo Regime do Arrendamento Urbano – NRAU), criaram-se medidas para dinamizar o mercado de arrendamento, que se encontrava em estado comatoso bem visível, em especial, nos centros históricos das nossas cidades e vilas. Entre tais medidas destacou-se a criação do procedimento especial de despejo (PED) que, prometendo ultrapassar a morosidade judicial, permitiria aos senhorios a rápida recolocação do imóvel na praça do arrendamento.
Conforme previsto no artigo 15.º-A daquele NRAU, em 2013, o Governo erigiu, através do Decreto-Lei n.º 1/2013, de 7 de janeiro, o chamado Balcão Nacional do Arrendamento (BNA). Enquanto secretaria judicial, o BNA passou a ter competência exclusiva para a tramitação do PED em todo o território nacional.
O PED passou a ser o meio processual adequado à disposição do arrendante para efetivar a entrega do locado, alegadamente, de forma célere e eficaz, no caso de incumprimento por parte do arrendatário. De salientar, porém, que tendo sido criado no intuito de evitar o recurso aos meios judiciais, não o impede.
O recurso ao PED é possível quando ocorra a cessação do contrato de arrendamento em diversas situações: por revogação (dito de outro modo, quando for celebrado um acordo entre senhorio e arrendatário que põe termo ao arrendamento, mas o segundo não devolve o imóvel); por caducidade, ou seja, pelo decurso do prazo e por oposição à renovação. Mas, na esmagadora maioria, o PED é utilizado em virtude da resolução do contrato de arrendamento com fundamento em mora, igual ou superior a três meses (durante um curto período de vigência da Lei, bastavam dois meses), no pagamento de renda ou em caso de mora superior a oito dias, por mais de quatro vezes, seguidas ou interpoladas, num período de 12 meses.
De acordo com o relatório de junho de 2018 elaborado pela Direção Geral da Administração da Justiça, o não pagamento ou atraso no pagamento de rendas é o principal motivo que leva o senhorio a recorrer ao BNA. A título de indicação, neste segmento, em 2017, a percentagem do total ascendeu a 90,54%.
Mas ainda no âmbito do PED, tem o senhorio a possibilidade de, cumulativamente, deduzir pedido de pagamento das rendas em atraso. Contudo, alerta-se para o facto deste pedido somente poder ser deduzido contra os arrendatários, e, na eventualidade do arrendamento ter por objeto a casa de morada de família, contra ambos os cônjuges.
Assim, fica o proprietário impedido de demandar no PED os devedores subsidiários, como, por exemplo, os fiadores. Obviamente, na ótica do senhorio, a opção do legislador não é a mais correta, tendo em conta que o BNA foi criado, essencialmente, para evitar o recurso imediato aos tribunais.
Mais precisamente, na eventualidade de o senhorio não conseguir, junto do arrendatário, recuperar o montante das rendas em atraso, o que acontece e não raras vezes, é forçado a intentar um procedimento judicial ex novo, desta vez contra o devedor subsidiário. Ora, se a existência de um fiador visa garantir o cumprimento do pagamento das rendas, não se entende por que não é logo deduzível este pedido de pagamento de rendas contra o fiador.
Para iniciar um PED, e sob pena do locador correr o risco do procedimento ser recusado, é ainda indispensável o preenchimento de vários requisitos formais. Em concreto, os pedidos de despejo terão que ser sempre acompanhados do texto contratual do arrendamento, bem como do documento comprovativo de ter sido pago o respetivo imposto selo.
Nas situações mais comuns, em que o senhorio recorre ao PED com fundamento na resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento, é imprescindível que seja enviada, previamente, uma comunicação escrita ao arrendatário, maxime uma notificação judicial avulsa, na qual explicita o valor em dívida a título de rendas. Após receção de tal notificação pelo arrendatário, tem o credor que aguardar 30 dias pelo pagamento antes de lançar mão do PED. Como é óbvio, tal sucede porque, no decurso desse prazo, tem o arrendatário oportunidade para pagar as rendas devidas, acrescidas de uma indemnização igual a 20% do que for devido (até há pouco tempo, a penalização era de 50%), e, por conseguinte, a resolução do arrendamento ficará sem efeito.
Em qualquer das outras situações, o senhorio pode utilizar, de imediato, o PED, desde que reúna toda a documentação necessária. Como exemplo, no caso do senhorio se opor à renovação do arrendamento, o requerimento deve ser acompanhado do comprovativo da respetiva comunicação ao arrendatário.
Após submissão do PED, que pode ser entregue em papel ou em formato eletrónico, se tudo estiver em conformidade, o BNA notificará o arrendatário para que este, em 15 dias, ou: i) desocupe o locado e, sendo caso disso, pague o montante peticionado a título de rendas; ou ii) apresente oposição ao despejo, podendo requerer o diferimento da desocupação do locado por razões sociais imperiosas (a fixar de acordo com o prudente arbítrio do Tribunal, durante o qual o pagamento das rendas deve ser assegurado pelo Fundo de Socorro Social do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social).
Para apresentar oposição ao despejo, o arrendatário é obrigado a constituir mandatário e proceder ao pagamento da taxa de justiça, para além de prestar uma caução, que pode ir até ao valor máximo correspondente a seis rendas, salvo, naturalmente, nos casos em que obtenha apoio judiciário. Caso o inquilino deduza oposição ao despejo, então, o procedimento é remetido para o tribunal territorialmente competente, havendo, depois, lugar à audiência de julgamento.
Caso, decorram 15 dias sem que o arrendatário tenha exercido o seu direito de oposição ao despejo, o BNA emite o respetivo título de desocupação do locado.
Com este título para desocupar o imóvel, tem o agente de execução legitimidade para se deslocar ao local e obter a sua posse ou fruição. Sendo necessário, pode solicitar o auxílio das autoridades policiais, podendo perpetrar o arrombamento e proceder à substituição da fechadura.
Pese embora, de acordo com o exposto, o PED aparente ser um procedimento célere e eficaz, a verdade é que o funcionamento do BNA tem merecido muitas críticas.
Em primeiro lugar, devido aos encargos que o senhorio tem de assumir para iniciar um PED (e nem todos os proprietários de imóveis são ricos, ao contrário do que parecem presumir as leis que se lhes aplicam). São as despesas com o pagamento de taxa de justiça, com os honorários e com as despesas do agente de execução. Em média, tais encargos envolvem um custo inicial de € 500,00, para além do que será devido a advogado, se for contratado.
Em segundo lugar, não obstante o BNA ter sido criado com intuito de agilizar os despejos, acaba por, como é corrente, ser burocrático e moroso. De resto, e não raras vezes, o PED é recusado com fundamento no deficiente preenchimento do requerimento ou na omissão de formalidades legais de reduzida monta. De acordo com o já mencionado relatório da Direção Geral da Administração da Justiça, refira-se que, entre os anos de 2014 e 2017, deram entrada 17.167 requerimentos de despejo, foram recusados definitivamente 6.668 e apenas foram emitidos 7.336 títulos de desocupação do locado.
Como se sabe, houve iniciativas legislativas do PCP e do BE (sempre na proteção dos inquilinos, sejam carentes ou abastados), para extinguir o BNA e os despejos regressarem à apreciação pelos tribunais. Todavia, o processo legislativo iniciado com a Nova Geração de Políticas de Habitação manteve o BNA inalterado, mas tendo sido concebido o Serviço de Injunção em Matéria de Arrendamento (SIMA), destinando o seu uso apenas aos arrendatários.
Resumidamente, o IMA (injunção em matéria de arrendamento) é um meio processual que se destina a efetivar alguns dos direitos dos arrendatários, tais como eventuais problemas relacionados com o assédio no arrendamento (uma velha realidade e com recente enquadramento legal) ou a possibilidade destes serem reembolsados dos gastos havidos com as obras que tenham realizado em substituição do senhorio. Ouvido o senhorio quanto à queixa do inquilino, é ou não decretada uma injunção, entenda-se, uma ordem ao senhorio.
Com o decretamento das injunções, podem ser aplicadas ao senhorio sanções pecuniárias por cada dia de incumprimento, no valor de € 20,00, até à demonstração do respetivo cumprimento, elevando-se em 50% quando o arrendatário tenha idade igual ou superior a 65 anos ou grau comprovado de deficiência igual ou superior a 60%. No entanto, este processo de injunção em matéria de arrendamento carece ainda de ser regulado em diploma próprio. Tal como no BNA, o SIMA terá competência em todo o território nacional.
Posto isto, resta concluir que, atualmente, quer o senhorio, embora com falhas, quer o arrendatário, têm mecanismos legais suficiente para fazerem vingar os seus direitos. Naturalmente, por ora, em relação aos arrendatários, não há ainda dados que permitam aferir se o procedimento de injunção ora criado será suficiente. Insuficientes são, muitas vezes, os vencimentos para pagar as rendas que o mercado vai estabelecendo, depois dos anos de congelamento e em pleno assédio dessa coisa, chamada alojamento local.
Helena Grilo dos Santos
Advogada de Alcides Martins, Bandeira, Simões & Associados, Sociedade de Advogados, SP, RL
in Vida Judiciária, Abril/Maio 2019