O orçamento de estado para 2020, apresentado mediante Proposta de Lei 5/XIV, aprovada pela Assembleia da República e promulgada pelo Presidente da República, aguarda, neste momento, publicação no Diário da República.
Não obstante a grande probabilidade de vir a ser objeto de orçamento retificativo, em virtude do contexto socioeconómico provocado pelo surto do COVID-19, indicaremos, de forma sintética, as grandes alterações por ora previstas para o ano de 2020.
Fundamentalmente, as grandes novidades refletem-se no alívio fiscal para as famílias e jovens que completem o ciclo de estudos, a introdução de mais medidas conexas com a fiscalidade ambiental e a promoção da mobilidade sustentável, e um reforço no financiamento da cultura e da tecnologia, bem como um investimento significativo no SNS.
Mais concretamente, quanto às medidas de política fiscal, estas assentam em quatro eixos estruturantes: apoio às famílias, apoio às empresas e ao investimento, fiscalidade ambiental e promoção de políticas públicas.
Assim, apresentamos uma síntese das medidas mais relevantes na vida dos cidadãos e empresas:
I. Imposto sobre o rendimento de pessoas singulares (IRS)
– Rendimentos (categoria B)
Não é considerada mais-valia a transferência, para o património particular do empresário, de um bem imóvel habitacional que esteja afeto à obtenção de rendimentos prediais (rendimentos da categoria F).
– Mais-valias
No caso de restituição do imóvel habitacional afeto à obtenção de rendimentos prediais ao património particular, não há lugar a tributação de qualquer ganho, no caso de o imóvel gerar rendimentos durante 5 anos.
– Regime Simplificado
No âmbito da determinação do rendimento empresarial e profissional tributável, é aplicável o coeficiente 0,50 aos rendimentos de exploração de estabelecimentos de alojamento local na modalidade de apartamento ou moradia localizados em área de contenção.
– Taxas
Os escalões de IRS são atualizados à taxa de 0,3%, correspondendo à taxa de inflação prevista de 2019. E, assim, até € 7.112, ao rendimento coletável é aplicada uma taxa reduzida de 14,5%.
– Deduções
Aumentam-se as deduções fiscais já existentes, como incentivo à natalidade e ao regresso dos portugueses que emigraram, designadamente através do aumento da dedução à coleta por dependente até aos 3 anos, em agregados com 2 ou mais dependentes, sendo este aumento aplicável a partir do segundo filho.
– Isenção
Como medida de apoio aos jovens que concluíram os ciclos de estudo e pretendam ingressar no mercado de trabalho, foi estabelecido no OE 2020 o “IRS jovem”, que consiste na aplicação de uma isenção de IRS de 30%, 20%, e 10%, nos primeiros 3 anos de rendimentos de trabalho dependente obtidos por jovens entre os 18 e 26 anos, que não sejam declarados dependentes, após a conclusão do ano da conclusão de ciclo de estudos igual ou superior ao nível 4 do Quadro Nacional de Qualificações (conclusão do secundário ou de ensino superior). Esta nova medida é aplicada aos trabalhadores cujo primeiro ano de obtenção de rendimentos seja 2020 ou ano posterior.
– Retenção na fonte
Entidades que procedam à retenção na fonte de rendimentos de trabalho dependentes de jovens entre os 18 e 26 anos, que ingressaram no mercado de trabalho, devem aplicar a taxa de retenção que resultar do despacho proferido pelo membro do Governo responsável pela área das finanças, aplicando-a à totalidade dos rendimentos obtidos.
Quanto aos rendimentos de mercado de capitais e valores mobiliários, devem ser objeto de retenção também por entidade gestoras de plataformas de financiamento colaborativo, que tenham em Portugal a sua sede, direção efetiva ou estabelecimento estável.
– Pagamento por conta
Os titulares de rendimentos, cujas entidades devedoras dos rendimentos não estejam obrigadas a fazer retenção na fonte, podem, se assim o entenderem, efetuar pagamentos por conta do imposto devido a final, desde que o montante de cada entrega seja igual ou superior a 50€.
II. Imposto sobre o rendimento de pessoas coletivas (IRC)
– Determinação lucro tributável
Neste OE 2020, o Governo desincentiva a atribuição de viaturas de serviço, apoiando antes a aquisição de passes sociais em benefício dos trabalhadores. Assim, prevê que o gasto suportado com aquisição de passes sociais é considerado para efeitos de determinação do lucro tributável, em valor correspondente a 130%.
Também passam a concorrer para a determinação do lucro tributável, relativamente a rendimentos de propriedade industrial e intelectual, os direitos de autor sobre programas de computadores.
– Regime simplificado
Para efeitos de determinação da matéria coletável para aplicação do regime simplificado, passam a ser aplicados os coeficientes de 0,50 relativo a rendimentos de exploração de estabelecimentos de alojamento local na modalidade de apartamento ou moradia, localizados em área de contenção, bem como de 0,35 de rendimentos também de estabelecimento local explorado, mas que não estejam abrangidos na opção anterior.
– Taxas
Prevê-se o benefício fiscal para as PME, com o aumento de € 15.000 para € 25.000 do limite máximo de matéria coletável até ao qual é aplicada a taxa reduzida de IRC de 17%. Ou seja, até aos primeiros € 25.000 é aplicado a taxa reduzida, ao passo que ao excedente, é aplicada a taxa de 21%.
– Tributação autónoma
Os sujeitos passivos que exerçam atividades relacionadas com viaturas ligeiras de passageiros, são tributados autonomamente e à taxa de 10% pelas viaturas com um custo de aquisição inferior a € 27.500; à taxa de 27,5% pelas viaturas com um custo de aquisição global ou superior a € 27.500 e inferior a € 35.000.
Refira-se que, no caso de viaturas ligeiras movidas a GNV, aplicam-se taxas de tributação mais reduzidas, designadamente 7,5%, 15% e 27,5% respetivamente.
Ainda, como apoio às empresas que tenham iniciado atividade recentemente, elimina-se o agravamento das tributações autónomas para aquelas que apresentem prejuízos nos 2 primeiros períodos de tributação.
– Dedução de lucros reinvestidos
O Governo adota também medidas de incentivo, em sede de IRC, para as empresas que reinvistam os seus lucros. Assim, alarga-se para 20% o limite máximo de lucros reinvestidos que podem ser objeto de dedução, passando de 10 milhões para 20 milhões de euros, e aumenta-se também o prazo para a concretização do reinvestimento, de 3 para 4 anos.
– Fundo de estabilização financeira da Segurança Social
Em 2020 será transferido para o FEFSS o valor apurado da liquidação de IRC relativo ao ano de 2019, correspondendo a 1,5 pontos percentuais das taxas de IRC liquidadas.
III. Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA)
– Dedução
Como medida adotada no âmbito da fiscalidade ambiental, o OE 2020, permite que seja deduzido o imposto referente a despesas respeitantes a eletricidade utilizada em viaturas elétricas ou híbridas plug in.
– Créditos de cobrança duvidosa ou incobráveis
Por forma a melhorar a relação entre a Autoridade Tributária e os contribuintes, prevê-se a redução do prazo para recuperação do IVA relativo a créditos de cobrança duvidosa (passando de 24 para 12 meses).
– Procedimento de regularização
Com a mesma finalidade supra mencionada, reduz-se também o prazo de apreciação dos pedidos de regularização por parte da AT, de 8 para 4 meses, findo o qual se considera indeferido o pedido.
Também na perspetiva de agilizar os procedimentos tributários e melhorar a relação com os contribuintes, permite-se que, em situações em que a regularização do imposto não exceda € 10.000 por declaração periódica, a certificação da regularização do IVA seja realizada por contabilista certificado, ao invés da obrigatoriedade de o ser feito por revisor oficial de contas.
– Taxa reduzida
É alterada a lista de bens e serviços sujeitos a taxa de imposto reduzida, passando o fornecimento de águas residuais tratadas a estar sujeito a uma taxa de IVA igual a 6%, sendo que anteriormente era taxado a 23%.
Também estão sujeitos à taxa reduzida os utensílios e outros equipamentos destinados a operações de socorro e salvamento, adquiridos por associações humanitárias e corpos bombeiros, e por outros institutos elencados na lei.
Às entradas de espetáculos, concertos, teatros, cinemas e outros eventos culturais também será aplicada a taxa reduzida de 6%.
Incluem-se também, neste âmbito, as prestações de serviços que consistam em proporcionar a visita, guiada ou não, a edifícios classificados de interesse nacional, público ou municipal, e a museus que cumpram os requisitos legais para o efeito.
– “IVA da Ciência”
Mecanismo criado neste OE, nos termos do qual se consagra a possibilidade de restituição do IVA pago pelos centros de investigação científica sem fins lucrativos com a aquisição de instrumentos, equipamentos e reagentes no âmbito da sua atividade.
– IVA no desenvolvimento regional
Como medida de promoção do turismo regional, propõe-se a transferência do IVA para as entidades regionais de turismo no valor de € 16.403.270,00
IV. Imposto de Selo
– Obrigação tributária
A obrigação tributária considera-se constituída, relativamente às operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras, ou outras entidades equiparadas, no momento da cobrança de juros, prémios, comissões e outras contraprestações, consideram-se efetivamente cobrados os juros e comissões debitadas em contas correntes à ordem de quem a eles tiver direito.
– Isenção
Estão isentos de imposto de selo os empréstimos (juros incluídos) por prazo não superior a 1 ano, desde que sejam exclusivamente destinados à cobertura de carência de tesouraria, quando concedidos por sociedades a favor de outras sociedades por elas dominadas, ou a favor de sociedades nas quais as sociedades concedam ao empréstimo tenham uma participação no capital (não inferior a 10%) ou cujo valor de aquisição não seja inferior a € 5.000.000.
Bem como estão isentos os empréstimos concedidos por prazo não superior a 1 ano, quando concedidos por sociedades, no âmbito de um contrato de gestão centralizada de tesouraria, a favor de sociedade com a qual estejam em relação de domínio ou de grupo.
– Crédito ao Consumo
É fortemente desincentivado o crédito ao consumo, mediante agravamento das suas taxas em 50% para os factos tributários ocorridos até 31 de dezembro de 2020.
V. Imposto Municipal sobre Imóveis
– Determinação do valor patrimonial
Nos prédios com autonomia económica em relação ao terreno onde se encontram implantados, o valor patrimonial a ser determinado por perito corresponde apenas à área efetivamente ocupada com a implantação.
– Inscrição de prédio na freguesia
Para efeitos de inscrição de prédio rústico ou urbano, e não vedado, na freguesia competente, é determinado que deve privilegiar-se a freguesia onde esteja situada a maior área ou o maior número de construções.
– Identificação dos prédios devolutos, em ruínas e terrenos para construção
Para efeitos de aplicação das taxas de IMI, a identificação dos prédios ou frações autónomas devolutas, em ruínas ou terrenos para construção deve ser comunicada pelos municípios à AT por transmissão eletrónica de dados e divulgadas por estes no respetivo sítio da internet, bem como no boletim municipal, quando este exista.
– Taxas
Estão sujeitos a taxas especialmente agravadas os prédios urbanos ou frações autónomas que se encontrem devolutos há mais de 2 anos, os prédios em ruínas, bem como terrenos para construção inseridos em solo urbano, sempre que se localizem em zonas de pressão urbanística.
VI. Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis
– Exclusão do benefício de isenção
As aquisições de imóveis por instituições de crédito deixam de beneficiar das isenções se os prédios não foram alienados no prazo de 5 anos, a contar da data da aquisição.
– Taxas
Foram alteradas as taxas de imposto municipal relativas à aquisição de prédios urbanos ou frações autónomas de prédios urbanas, destinadas ou não à habitação.
VII. Estatuto dos Benefícios Fiscais
– Taxas aplicáveis a PME ou microempresas fixadas no interior
Em prol da coesão territorial, é aplicável às empresas que exerçam uma atividade económica de natureza agrícola, comercial, industrial ou de prestação de serviços em territórios do interior, que sejam qualificados como micro, pequena ou média empresa, a taxa reduzida de IRC de 12,5 % aos primeiros € 25 000 de matéria coletável.
– Isenções
A isenção de IMI aplicada a estabelecimentos de interesse histórico e cultural opera de forma automática, mediante reconhecimento pelo município do carácter cultural e histórico do local.
Por sua vez, as entidades que exerçam atividade económica e que se reorganizem em operações de reestruturação ou acordos de cooperação, estão isentas de imposto de selo relativamente às transmissões de imóveis ou estabelecimento comercial necessários às operações mencionadas.
Ainda ficam isentos de IRC e IRS os rendimentos prediais obtidos no âmbito de programas municipais de oferta para arrendamento habitacional a custos acessíveis (sendo os rendimentos isentos obrigatoriamente englobados para efeitos de determinação da taxa a aplicar aos restantes rendimentos quando o sujeito passivo opte pelo englobamento dos rendimentos prediais).
– Deduções
Numa perspetiva ambiental, decreta-se que os gastos suportados com aquisição, em território nacional, de eletricidade, gás natural veicular (GNV) para abastecimento de veículos são dedutíveis em valor correspondente a 130% no caso de eletricidade e 120% no caso de GNV, para efeitos de lucro tributável em sede de IRC e IRS.
– Outros benefícios
O OE 2020 deixa expresso que os benefícios concedidos no âmbito do sistema financeiro e mercado de capitais, sistema de gestão de fluxos específicos de resíduos, despesas com frota de velocípedes, bem como benefícios inerentes a despesas com mecenato, entre outros, que foram prorrogados até dia 31 de dezembro de 2020, estão sujeitos a reavaliação durante o ano de 2020.
VIII. Imposto sobre veículos
– Agravamento de imposto
Atendendo as preocupações com o ambiente, o Governo decidiu que veículos ligeiros equipados com sistema de propulsão a gasóleo ficam sujeitos a um agravamento de € 500 no total do montante do imposto a pagar, sendo esse valor reduzido para € 250 relativamente aos veículos ligeiros de mercadorias (com exceção dos veículos que apresentarem nos respetivos certificados de conformidade ou, na sua inexistência, nas homologações técnicas, um valor de emissão de partículas inferior a 0,001 g/km).
– Taxas
São alteradas as taxas intermédias de imposto, aplicando-se 40%, aos automóveis ligeiros de utilização mista, com peso bruto superior a 2500 kg, lotação mínima de sete lugares, incluindo o do condutor, e que não apresentem tração às quatro rodas; e 40% aos automóveis ligeiros de passageiros que utilizem exclusivamente como combustível gás natural.
São também alteradas as taxas de imposto aplicáveis aos motociclos, triciclos e quadriciclos.
– Isenção
Entre outros, estão isentos do imposto os veículos para transporte coletivo dos utentes com lotação de nove lugares, adquiridos em estado novo, por instituições particulares de solidariedade social, cooperativas e associações de e para pessoas com deficiência às quais tenha sido atribuído o estatuto de organização não governamental das pessoas com deficiência (ONGPD), que se destinem ao transporte em atividades de interesse público, desde que, em qualquer caso, respeitem os níveis máximos de emissões previstos na lei.
Por sua vez, os automóveis ligeiros de passageiros e de utilização mista que se destinem ao serviço de aluguer com condutor, que apresentem até quatro anos de uso, que respeitam certos limites de emissões de CO2, beneficiam de uma isenção correspondente a 70 % do montante do imposto. Porém, os veículos com a mesma finalidade, mas que utilizem antes gás natural ou de energia elétrica, ou com motores híbridos, preparados para o consumo, no seu sistema de propulsão, quer de energia elétrica ou solar quer de gasolina ou gasóleo, ficam integralmente isentos de imposto.
IX. Imposto Único de Circulação
– Isenções
Encontram-se isentos do pagamento de imposto, os automóveis e motociclos, além dos veículos das categorias A, C, D e E que, tendo mais de 30 anos, constituindo peças de museus público e de interesse público, desde que ocasionalmente sejam objeto de uso.
Assim como estão isentos os veículos da categoria B que possuam um nível de emissão de CO2 NEDC até 180 g/km ou um nível de emissão de CO2 WLTP até 205g/km e veículos da categoria A, que se destinem ao serviço de aluguer com condutor ou ao transporte em táxi.
Por fim, a isenção abrange também pessoas com deficiência cujo grau de incapacidade seja igual ou superior a 60%, em relação a veículos da categoria B que possuam um nível de emissão acima descrito, ou veículos das categorias A e E de acordo com as condições previstas na lei.
– Taxas
Foram atualizadas as taxas de imposto aplicáveis às categorias A, B, C, D, E, F e G.
Departamento de Direito Administrativo e Fiscal
Alcides Martins, Bandeira, Simões & Associados
Sociedade de Advogados, SP, RL