Foi publicado o Decreto-Lei 10-G/2020, de 26 de março, que entrará em vigor dia 27 de março (revogando a Portaria 71-A/2020 de 15 de março), que regulamenta os apoios imediatos de caráter extraordinário, temporário e transitório, destinados aos trabalhadores e empregadores afetados pelo surto do vírus COVID-19, com vista à manutenção postos de trabalho e mitigar as situações de crise empresarial.
Tal diploma legal mantém os seguintes apoios, cumuláveis com outras em vigor:
1. O apoio extraordinário à manutenção de contrato de trabalho em situação de crise empresarial, com ou sem formação;
2. A isenção temporária do pagamento de contribuições para a Segurança Social, a cargo da entidade empregadora,
3. O incentivo financeiro extraordinário para apoio à normalização da atividade da empresa
4. O plano extraordinário de formação.
Estas medidas aplicam-se aos empregadores de natureza privada, incluindo as entidades empregadoras do setor social, e aos trabalhadores ao seu serviço, afetados pelo surto do vírus COVID-19, que em consequência se encontrem, comprovadamente, em situação de crise empresarial.
No artigo 3.º de tal Decreto-Lei, entende-se por situação de crise empresarial:
a. O encerramento total ou parcial da empresa ou estabelecimento, decorrente do dever de encerramento de instalações e estabelecimentos determinado pelo Governo (Decreto 2-A/2020, de 20 de março);
b. A paragem total ou parcial da atividade da empresa ou estabelecimento que possam ser comprovadas através de documentos demonstrativos do cancelamento de encomendas ou de reservas, dos quais resulte que a utilização da empresa ou da unidade afetada será reduzida em mais de 40 % da sua capacidade de produção ou de ocupação no mês seguinte ao do pedido de apoio;
c. A quebra abrupta e acentuada de, pelo menos, 40 % da faturação no período de 30 dias anterior ao do pedido junto dos serviços competentes da segurança social (não já 60 dias), com referência:
c.1. à média mensal dos dois meses anteriores a esse período (se pedido ainda em março, terá de existir uma quebra de faturação nos últimos 30 dias de, pelo menos, 40% face à média dos dois meses anteriores), ou
c.2. face ao período homólogo do ano anterior, ou seja, tal redução de pelo menos 40% será averiguada em comparação com os mesmos 30 dias do ano anterior.
Para aceder às medidas previstas na presente portaria, o empregador precisa ter as situações contributiva e tributária regularizadas perante a Segurança Social e a Autoridade Tributária e Aduaneira.
1. Apoio extraordinário à manutenção dos contratos de trabalho em empresa em situação de crise empresarial, com ou sem formação – Layoff simplificado
A. Medidas Possíveis
O regime de apoio extraordinário à manutenção dos contratos de trabalho em empresa em situação de crise empresarial, possibilita as seguintes medidas:
– Redução temporária dos períodos normais de trabalho e
– Suspensão dos contratos de trabalho.
Estas medidas podem ser aplicadas a todos os trabalhadores, a apenas parte, ou combinadas entre si, consoante as necessidades da empresa.
De salientar que durante a redução do período normal de trabalho, o empregador e o trabalhador mantêm-se adstritos ao cumprimento dos respetivos deveres laborais, e, no caso, da suspensão dos contratos, mantém-se os deveres e direitos que não pressuponham a efetiva prestação de trabalho.
O trabalhador poderá exercer outra atividade remunerada durante este período, o que poderá determinar a redução correspondente da prestação por parte do empregador no regime do layoff, devendo o empregador comunicar junto do Instituto da Segurança Social, a situação referida no número anterior, no prazo de dois dias a contar da data em que dela teve conhecimento.
De referir ainda que, quem estiver a prestar as suas funções em regime de teletrabalho e assim continuar, não estará abrangido por este regime de suspensão do contrato de trabalho, podendo passar a estar abrangido pelo regime de redução do período normal de trabalho, na sua prestação de funções enquanto teletrabalhador.
B. Apoio financeiro
Durante o período de aplicação desta medida, o trabalhador verá a sua remuneração normal mensal ilíquida:
b.1. reduzida para 2/3, ou até ao valor do salário mínimo nacional, consoante o que for mais elevado;
b.2. com o limite máximo de 3 salários mínimos nacionais (€ 1.905,00).
B. 1 – Suspensão dos contratos de trabalho
Em caso de suspensão dos contratos de trabalho, o salário após a redução dos 2/3, não pode ser inferior a € 635,00 ilíquidos (RMMG), e o empregador beneficiará de um apoio financeiro para pagamento desses 2/3 do salário do trabalhador, pois que 70% desse apoio será assegurado pela Segurança Social (em reembolso posterior ao empregador), e 30 % pelo empregador.
Por outro lado, com a redução dos 2/3 a remuneração não poderá ser superior a € 1.905,00 ilíquidos,.
No caso de trabalho a tempo parcial, a avaliação deverá ser feita proporcionalmente.
No caso de suspensão do contrato de trabalho, o trabalhador não prestará funções durante o período em que durar o layoff.
B. 2 – Redução dos períodos normais de trabalho
Caso se opte pela redução do período normal de trabalho, a retribuição do trabalhador será calculada em função da proporção das horas de trabalho.
Por exemplo:
– Um trabalhador que aufira um salário normal mensal de € 1.000,00, para um período normal de trabalho diário e semanal, respetivamente, de 8 e 40 horas, se vir o seu período normal de trabalho reduzido unilateralmente pelo empregador, e que, por via dessa redução, o trabalhador ficará a receber o salário mensal de €500,00 pelas horas trabalhadas (que não resultará de uma redução para metade das horas como poderia transparecer, pois que o cálculo das horas trabalhadas será feito com recurso à retribuição horária), passará a receber, por parte do empregador, a quantia ilíquida de € 500,00, suportada inteiramente por este.
– Quanto aos restantes € 500,00, que correspondem ao período de trabalho que deixou de ser prestado, o trabalhador receberá 2/3 deste valor (€ 333,00), que será suportado, em 70% pelo empregador e em 30% pela empresa.
– Tal implica que este trabalhador receba € 888,00 ilíquidos durante este período, sendo que a empresa suportará € 500,00, mais 30% dos 2/3 do restante, a saber, € 100,00, para um total de custo de € 600,00.
Da soma do valor pago integralmente pela empresa e que corresponde ao período normal de trabalho reduzido, e da compensação retributiva derivada da parte do período normal de trabalho que deixou de prestar, não pode resultar:
. Menos que 2/3 da sua retribuição mensal ilíquida normal (o que no caso concreto, será de € 666,66 ilíquidos), ou,
. Menos que o valor do salário mínimo nacional.
Consoante o que for mais elevado.
No exemplo concreto, como o trabalhador vai receber € 888,00 ilíquidos, receberá mais que os 2/3 da sua retribuição normal ilíquida e mais que o salário mínimo nacional.
B. 3 – Cálculo do valor do salário prestado em situações de redução do período normal de trabalho.
A retribuição por trabalho prestado será calculada proporcionalmente, pelo que terá que se identificar o valor da remuneração horária antes da redução salarial.
Por exemplo:
– Um trabalhador tem uma retribuição mensal normal de 1.100,00€ mensais, para um período normal de trabalho de 40 horas semanais (5 dias).
– Ao abrigo do regime de layoff, o período de trabalho foi reduzido para 24 horas semanais (3 dias por semana) e num mês trabalhou 13 dias.
– Aplicando a fórmula: (Rm x 12) / (52 x n) Obtemos o valor da retribuição horária de 6,35€ (1.100,00€ x 12) / (52 x 40).
– A retribuição diária é do valor de 50,80€ (8 x 6,35€) A retribuição correspondente a 13 dias (ou a 104 horas) é de 660,40€ (13 x 50,80€ ou 104 x 6,35€).
– O valor do salário mensal, neste caso, seria assim de 660,40€.
C. Duração
Este apoio terá a duração de um mês, prorrogável mensalmente, até um máximo de 3 meses (não já de 6 meses), sem prejuízo de, após estes 3 meses, poder ser prorrogada.
D. Procedimento
Para ter acesso a este apoio a empresa tem de comunicar, por escrito, aos trabalhadores a respetiva decisão, indicando a quem se aplica a medida de suspensão de contrato de trabalho ou a medida de redução do período normal de trabalho, com a indicação quantitativa de tal redução, indicando a duração previsível de tal medida, ouvidos os delegados sindicais e comissões de trabalhadores, quando existam, e remetendo de imediato requerimento eletrónico ao serviço competente da área da segurança social, acompanhado de declaração do empregador contendo a descrição sumária da situação de crise empresarial que o afeta.
Caso o acesso a esta medida se deva ao encerramento total ou parcial da empresa ou estabelecimento por imposição governativa, o procedimento documental estará completo.
Nos demais casos em que o recurso a esta medida é possível, será necessário ainda, como o era ao abrigo da anterior Portaria, juntar ao pedido, uma listagem nominativa dos trabalhadores abrangidos e respetivo número de segurança social, e ainda uma declaração do contabilista certificado da empresa que ateste a situação que tenha sido invocada.
Esta medida pode ainda ser cumulável com um plano de formação aprovado pelo IEFP, ao qual acresce uma bolsa nos mesmos termos do previsto no n.º 5 do artigo 305.º do Código do Trabalho, isto é, no valor de 30 % do Indexante dos Apoios Sociais (IAS) (€ 131,64), sendo metade para o trabalhador e metade para o empregador (€ 65,82).
Tanto a bolsa como os custos com a formação serão suportados pelo IEFP.
2. Isenção temporária do pagamento de contribuições para a Segurança Social, a cargo da entidade empregadora
Prevê-se a isenção temporária do pagamento de contribuições para a Segurança Social, a cargo da entidade empregadora relativamente aos trabalhadores e membros de órgãos societários, para as empresas abrangidas de qualquer uma das medidas previstas.
Mantém-se a obrigação de entrega das declarações de remunerações autónomas relativas aos trabalhadores abrangidos e o pagamento das respetivas quotizações.
Esta isenção do pagamento de contribuições relativamente aos trabalhadores abrangidos é reconhecida oficiosamente, não sendo necessário adotar nenhum procedimento pelo empregador.
3. Incentivo financeiro extraordinário para apoio à normalização da atividade da empresa
Os empregadores que beneficiem das medidas previstas no presente decreto-lei têm direito a um incentivo financeiro extraordinário para apoio à retoma da atividade da empresa, a conceder pelo IEFP, pago de uma só vez e com o valor de uma RMMG por trabalhador.
Para poder aceder ao incentivo, o empregador deverá apresentar um requerimento ao IEFP, acompanhado, nomeadamente, dos documentos de natureza contabilística e financeira, bem como certidão do Contabilista Certificado, que comprovam as condições de elegibilidade da empresa ao acesso a estas medidas.
4. Plano extraordinário de formação
As empresas em situação de crise empresarial nos termos definidos na presente portaria que não tenham recorrido ao layoff simplificado, podem aceder a um apoio extraordinário para formação profissional a tempo parcial, suportado pelo IEFP, que é concedido em função das horas de formação frequentadas pelo trabalhador, até ao limite de 50 % da retribuição ilíquida, com o limite máximo da RMMG, a qual não deve ultrapassar 50 % do período normal de trabalho durante o período em que decorre, e que terá a duração de um mês.
O empregador tem de comunicar aos trabalhadores, por escrito, a decisão de iniciar este plano de formação e a duração previsível da medida, remetendo de imediato informação ao IEFP, acompanhado de declaração do empregador contendo a descrição sumária da situação de crise empresarial que o afeta, certificada por declaração do contabilista certificado, listagem nominativa dos trabalhadores abrangidos e respetivo número de segurança social.
5. Fiscalização
As empresas podem ser agora alvo de fiscalização, em qualquer momento, pelas entidades públicas competentes, devendo comprovar os factos em que se baseia o pedido e as respetivas renovações, nomeadamente através do:
a) Balancete contabilístico referente ao mês do apoio bem como do respetivo mês homólogo ou meses anteriores, quando aplicável;
b) Declaração de Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA) referente ao mês do apoio bem como dos dois meses imediatamente anteriores, ou a declaração referente ao último trimestre de 2019 e o primeiro de 2020, conforme a requerente se encontre no regime de IVA mensal ou trimestral respetivamente, que evidenciem a intermitência ou interrupção das cadeias de abastecimento ou a suspensão ou cancelamento de encomendas; e
c) Documentos demonstrativos do cancelamento de encomendas ou de reservas, dos quais resulte que a utilização da empresa ou da unidade afetada será reduzida em mais de 40 % da sua capacidade de produção ou de ocupação no mês seguinte ao do pedido de apoio; e
d) Elementos comprovativos adicionais a fixar por despacho do membro do Governo responsável pela área do trabalho e da segurança social.
As falsas declarações serão punidas, incluindo com a imediata cessação dos mesmos e a restituição do recebido. São causas de incumprimento:
a) Despedimento, exceto por facto imputável ao trabalhador;
b) Não cumprimento pontual das obrigações retributivas devidas aos trabalhadores;
c) Não cumprimento pelo empregador das suas obrigações legais, fiscais ou contributivas;
d) Distribuição de lucros durante a vigência das obrigações decorrentes da concessão do incentivo, sob qualquer forma, nomeadamente a título de levantamento por conta;
e) Incumprimento, imputável ao empregador, das obrigações assumidas, nos prazos estabelecidos;
f) Prestação de falsas declarações;
g) Prestação de trabalho à própria entidade empregadora por trabalhador abrangido pela medida de apoio extraordinário à manutenção de contrato de trabalho na modalidade de suspensão do contrato, ou para lá do horário estabelecido, na modalidade de redução temporária do período normal de trabalho, evitando fraudes à lei, em que o trabalhador beneficia da medida de suspensão ou de redução, mas, na prática, continua a trabalhar para o empregador a tempo completo.
Bruno Negrão Alves
lcides Martins, Bandeira, Simões & Associados,
Sociedade de Advogados, SP, RL